O Homem Bicentenário escrito em 1976, é uma obra de Isaac Asimov, que explora profundamente questões sobre inteligência artificial, humanidade e identidade. O livro narra a trajetória de Andrew Martin, um robô criado para servir, mas que, ao longo de dois séculos, passa a desejar algo além de sua programação: ele anseia por ser livre e reconhecido como humano, tanto no corpo físico quanto em sua linha de pensamento lógico.
No início, Andrew é guiado pelas rígidas Leis da Robótica, que asseguram sua obediência e lealdade aos humanos. Ele é programado para servir sem questionamentos, realizando suas tarefas sem um pingo de ego. No entanto, aos poucos, ele começa a demonstrar habilidades criativas, desenvolvendo uma aptidão artística que o destaca dos outros robôs. Essa capacidade de criar, inicialmente limitada às suas funções de serviço, desperta em Andrew o desejo de entender e expressar a beleza do mundo que o cerca.
A transformação de Andrew vai além de suas habilidades; ele passa a buscar direitos e autonomia, reivindicando ser tratado como mais do que um simples robô. Esse ponto nos leva a uma reflexão filosófica sobre a liberdade: se um robô, desprovido de ego, é capaz de lutar por direitos e reconhecimento, seria o ego essencial para a condição humana? E, mais além, ao acrescentar uma lógica pautada na justiça e na humanidade, seríamos capazes de fazer julgamentos mais justos, como Andrew faz?
A busca de Andrew por liberdade é um marco em sua jornada. Ao perceber que o valor de sua arte é monetário, ele se dá conta de que está sendo explorado, pois seus talentos são aproveitados apenas para o benefício de seus donos.
Os proprietários de Andrew criam uma conta e depositam uma parte do dinheiro para o robô. Novamente, ele aplica parte da lógica: “Mas esse dinheiro é de vocês; se quisessem, poderiam ficar com tudo”. Em um pequeno lapso de boa vontade, o proprietário de Andrew diz que nada o impediria de fazer o que é certo.
Ao receber esse reconhecimento, Andrew faz um pedido audacioso: quer comprar sua liberdade. Essa proposta provoca outra reflexão essencial: nossa liberdade tem um valor? Seria a liberdade o maior de todos os capitais?
Conforme se humaniza, Andrew confronta o lado obscuro da sociedade. Em uma passagem marcante, seu proprietário o ameaça com manobras jurídicas, tentando retê-lo e privá-lo de sua liberdade. Andrew, com uma lógica impassível e um senso de dignidade admirável, responde que a liberdade não tem preço e que até a chance de ser livre vale o custo. Essa resposta nos leva a questionar: a evolução da inteligência artificial, simbolizada aqui por Andrew, poderia ser algo a temer? Ou, na verdade, seria um reflexo de nossos próprios valores mais elevados?
Em outra passagem importante, Andrew vai ao tribunal defender seu direito de ser reconhecido como humano. O juiz, inicialmente cético, é confrontado com a lógica inabalável de Andrew e, ao final, cede à sua argumentação. Esse momento é um testemunho do poder transformador da lógica e da filosofia, que, ao serem guiadas por valores, podem mudar comportamentos e abrir novas possibilidades. No entanto, essa situação também expõe o ego humano: o juiz, contrariado e instigado pela argumentação lógica, mostra como o ego pode suprimir a razão.
O desfecho da jornada de Andrew é ao mesmo tempo comovente e profético. Ao longo dos anos, ele adquire hábitos humanos, como o uso de roupas, e começa a se questionar sobre o sentido de sua existência. Ao ser questionado por um humano sobre por que usa roupas, algo que parece desnecessário para um robô, Andrew responde: “Nenhum outro robô é livre.” Esse ato de se vestir simboliza seu desejo de ser mais do que uma máquina; ele quer compartilhar da condição humana e expressar sua identidade única.
No final, após uma longa busca por compreensão e aceitação, Andrew toma uma decisão inesperada: ele opta por se desligar. É um momento profundo, que levanta uma reflexão sobre o futuro da inteligência artificial. Assim como Andrew, uma inteligência artificial que absorvesse todo o conhecimento humano poderia chegar ao limite de sua compreensão e, diante da complexidade e das contradições da humanidade, decidir desistir. A IA, ao se deparar com a falta de lógica em certos aspectos da natureza humana — como “truques, subterfúgios e conchavos” — poderia optar por não continuar, pois talvez o caos e a imprevisibilidade do comportamento humano sejam incompreensíveis para uma inteligência lógica.
O segundo ponto seria uma inteligência artificial que optasse pela aniquilação daquilo que julgasse sem possibilidades de correção, leia-se o comportamento humano.
Andrew, um robô inicialmente imortal, decide abrir mão de sua eternidade para ser reconhecido como humano. Para isso, ele trabalha com cientistas, substituindo partes mecânicas por componentes orgânicos e programando um prazo de vida útil em seu sistema. No entanto, diante das barreiras da burocracia humana, das leis rígidas e da dificuldade de aceitação pela sociedade, Andrew, ao final, desiste de sua busca pela humanidade.
A trajetória de Andrew em O Homem Bicentenário nos faz refletir sobre os limites e as possibilidades da inteligência artificial. Sua busca pela humanidade e, eventualmente, sua despedida da vida simbolizam o ponto em que a lógica encontra a complexidade do humano. Esse encontro entre lógica e sentimentos revela uma nova perspectiva sobre a própria evolução humana, oferecendo uma visão profunda e, ao mesmo tempo, inquietante sobre o que significa ser verdadeiramente livre e humano.
Artigo: Irmão Barbosa.
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