O Santo e a Armadilha Final
O santo eremita, cuja vida foi marcada por renúncia e combate às tentações, passou décadas no deserto resistindo ao maligno. Desde sua juventude, abandonou tudo o que possuía para se entregar à vida de oração e penitência.
No silêncio árido, enfrentou demônios disfarçados de desejos, ilusões enganosas e promessas de poder e prazer. Mas, com fé e humildade, venceu cada provação.
Os anos se passaram, e sua fama se espalhou. Pessoas o buscavam em busca de orientação, discípulos seguiram seu exemplo, e sua santidade tornou-se reconhecida. Ainda assim, o santo permaneceu no deserto, vigilante contra os ardis do inimigo.
Certa noite, já idoso e sentindo o fim se aproximar, teve uma última visão. O demônio apareceu, não mais como uma figura terrível, mas como um homem sereno, com um sorriso suave. Sentou-se ao lado do santo e disse-lhe:
— Meu bom homem, venceste-me em tudo. Rejeitaste a riqueza, os prazeres, a ira, a vaidade. És verdadeiramente santo. Não há outro como tu.
O eremita sentiu algo diferente dessa vez. Seu coração aqueceu-se com um sutil orgulho. De fato, havia resistido a todas as provações. Tinha sido fiel, era um exemplo para gerações. Quem mais poderia se comparar a ele?
E então, sem perceber, caiu na mais feroz armadilha: o ego. O pensamento de sua própria santidade tomou forma dentro dele, personalizada como algo próprio, incontestável.
O demônio voltou e, agora, não mais com um sorriso ameno, mas com um olhar triunfante, disse:
— Meu bom homem, a vida toda você conseguiu me vencer, mas no último momento minha armadilha venceu você.
O santo estremeceu.
— Todos sucumbem ao ego — continuou o demônio, com uma satisfação cruel. — Todos os mortais encapados de carne caem em minha armadilha.
O eremita sentiu um peso esmagador sobre sua alma. Havia dedicado sua vida à humildade, mas no último instante, sem notar, aceitara a ideia de sua própria grandeza. Caiu de joelhos, mas não havia mais tempo.
O demônio, satisfeito, desapareceu na escuridão do deserto, deixando para trás o corpo sem vida daquele que fora um grande santo — mas que, no último instante, provara ser tão mortal quanto todos os outros.
Artigo: Irmão Barbosa
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