Quando sua mãe não lembrar mais o seu nome.

Quando sua mãe não lembrar mais o seu nome.

Mesmo os laços mais fortes, um dia se romperão. O tempo nos destituirá de toda a nossa personalidade, e só ficará a essência. As lembranças serão arrancadas de nós, deixaremos de ser o pai, a mãe, o filho; apenas o nosso verdadeiro eu nos acompanhará.

Afinal, quem sou eu? Alma imortal andarilha dos caminhos da eternidade, talvez perambulando por décadas, séculos, milênios e eras, constantemente trocando as vestes da carne.

Quando atingirmos os mais elevados estágios da elevação espiritual, porventura nos será permitido olhar para trás? Uma breve rememoração dos papéis que interpretamos nas vidas passadas?

Talvez a vontade de reviver o passado, o abraço nos filhos, a lembrança carinhosa de nossos progenitores, apenas nos mostre que ainda estamos apegados ao passado. E isso seria um teste que nos mostraria que ainda falta muito para realmente estarmos evoluindo.

“O sentimento de posse é o ópio da humanidade.” – Irmão Barbosa.

Insistimos em querer ser, estar e participar. A manifestação de nossos vários eus psicológicos é apenas nossos vários egos se expressando.

Particularmente, eu me contentaria em não alcançar a mais elevada ascensão espiritual, e poder caminhar com a minha mãe, conversar com ela, receber seus conselhos, compartilhar um abraço apertado, ouvir ela convocar meu nome, me chamando para almoçar, ou mesmo passear com ela, relembrando coisas de nossa vida.

Pouco a pouco, o Alzheimer leva todas as lembranças embora. Algumas vezes, ela esquece o meu nome; outras vezes, ela não lembra quem sou. A impermanência das coisas nos espera na esquina do futuro.

Talvez o Alzheimer seja um processo orgânico, uma estrada que nos conduza à nossa verdadeira natureza. Se pensarmos que um dia fomos uma semente, que criou raízes, e o processo final desse estágio seja a árvore, fazendo o caminho de volta chegaremos ao seguinte resultado:

Ao olharmos a árvore, chegaremos às raízes; ao olhar as raízes, chegaremos à semente. O verdadeiro eu é a busca pelo que veio antes.

“Irmão Barbosa”

Em determinados momentos, minha mãe não lembra mais o nome das pessoas. Olha para meu filho, com quem sempre foi muito apegada, e conversa com ele como quem vê uma pessoa pela primeira vez.

Não lembra que foi uma mãe extremamente amorosa, uma filha muito dedicada a sua mãe, uma mulher que ajudou a muitas pessoas sem pedir nada em troca. O Alzheimer tirou todas as lembranças do que ela fez, eliminou a personalidade da dona Verônica, tirou a vaidade. Ali, na minha frente, talvez esteja o verdadeiro eu de minha mãe.

Apesar de todos os problemas, ela é uma pessoa alegre e ri de tudo, mostrando não se importar mais com nada. Tudo o que minha mãe foi um dia, hoje ela não é mais. Ali, na minha frente, apenas a consciência em seu estado puro; a relação corpo-mente não faz a menor diferença para ela.

A verdadeira essência ali manifestada. Nos momentos em que ela não se lembra de nada, tenho a impressão de estar frente a frente com o verdadeiro eu de minha mãe.

As qualidades que sempre presenciei antes do Alzheimer ainda continuam em minha progenitora. Ela sempre foi uma mãe muito amorosa, palavras amigas, conselheira em meus momentos de dificuldades, sempre preocupada com o próximo.

Isso se manteve mesmo quando ela não se lembra de mais nada. Penso eu ser essa a verdadeira essência dela.

Minha mãe sempre foi uma mulher muito vaidosa. Em sua juventude, vi fotos dela com maquiagem, batom, cabelos impecáveis e sempre muito bem vestida.

Hoje, ela não se importa com a roupa que veste, não usa nenhum tipo de cosmético, despida de qualquer tipo de vaidade. Apenas deixa que a vida aconteça, não tendo nenhuma expectativa com o futuro.

Alternando seus momentos, em lapsos de lembrança e esquecimento, entendo que quando ela não lembra das coisas, ali está o verdadeiro eu da dona Verônica, fora do papel de mãe, filha e esposa.

Apenas vivendo um dia de cada vez, sem expectativas com o futuro. O que ficou, no meu entender, foi sua verdadeira essência.


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Este artigo é parte integrante de O Livro de Toleran. O Livro do Tolerâncialismo.

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Artigo: Irmão Barbosa

Texto dedicado a minha querida mãe, dona Verônica, minha base a grande professora de minha existência.


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O que é o Tolerâncialismo? – Toleran o Livro do Tolerâncialismo

O que é o Tolerâncialismo?

O que é o Tolerâncialismo Movimento filosófico que propõe a união de religiosos e irreligiosos, a partir da amizade entre as pessoas, tendo a religião e a irreligião como algo secundário. A investigação nos vales das religiões, filosofia e ciências deve ser a busca de todo tolerancialista. Primeiramente, deve ser celebrada a amizade entre as … Continue lendo O que é o Tolerâncialismo?