No conhecido mito da caverna, o filósofo Platão fala de prisioneiros acorrentados em uma caverna, forçados a olhar para sombras que eram projetadas nas paredes por objetos iluminados por uma fogueira.
Referidas sombras eram tudo o que conheciam do que achavam que era o mundo, uma realidade bem distorcida que tomavam por verdadeira. Apenas aqueles que escapavam da caverna e viam a luz do sol eram capazes de compreender a verdade e a realidade como ela realmente é.
Esse é o mito da caverna que conhecemos por Platão, milhares de anos depois, a caverna agora é outra.
Imagine uma nova caverna: o espaço é muito maior, ele é digital, composto por telas e dispositivos que carregamos em nossas mãos, como uma extensão de nosso corpo. Em breve, essas telas serão microchips, e com o avanço da biotecnologia, sequer os notaremos.
Estamos acorrentados, não por grilhões físicos como os da antiga caverna, que eram fabricados por humanos, mas por algoritmos e sistemas de notificação concebidos por inteligências artificiais que capturam diariamente nossa atenção.
As sombras ora projetadas na parede agora estão em todos os lugares, possíveis e inimagináveis: perfis sociais e notícias filtradas. Cada rolar de feed, cada reação por emoji, cada compartilhamento é uma sombra de uma realidade projetada, uma interpretação superficial de um mundo cheio de camadas que nunca conseguiremos ver plenamente. Nas redes sociais, quase todos são perfeitos, não há espaço para a humanidade real.
Os prisioneiros da caverna digital olham para as telas, tomam as curtidas, os comentários e as imagens por uma verdade absoluta, sem questionar quem controla essas projeções ou como são manipuladas. A caverna se tornou o novo teatro social, onde cada um veste uma máscara para encenar um papel cuidadosamente construído para ser visto, mas que pouco reflete o verdadeiro “eu”.
Na caverna de Platão, os prisioneiros confundem as sombras com a realidade; hoje, confundimos as aparências virtuais com a identidade idealizada por uma sociedade doente.
Mas, assim como no mito original de Platão, existem aqueles que conseguem sair da caverna digital, aqueles que conseguem apagar as luzes das telas e contemplar o mundo sem filtros, sem a validação de likes e seguidores. Eles enxergam a verdadeira luz do conhecimento e do autoconhecimento, percebem que o valor do ser não se mede por quantos corações digitais recebem, mas por sua compreensão do mundo real e da complexidade das relações humanas, as quais recebem a validação por corações de carne.
A verdadeira fuga da caverna digital exige coragem e desprendimento: é necessário resistir à sedução dos algoritmos, das notificações incessantes e das distrações diárias do digital. Assim como o prisioneiro de Platão que, ao retornar à caverna, é ridicularizado por aqueles que ainda estão acorrentados, o homem que abandona o vício das telas pode ser visto como retrógrado, alienado ou até mesmo antiquado. No entanto, é esse indivíduo que experimenta a verdadeira liberdade e a luz do Sol do real conhecimento, tornando-se um verdadeiro iniciado. Essa iniciação só pode acontecer no mundo físico, fora da caverna digital.
E, assim, permanece o dilema: estamos dispostos a largar as sombras digitais que nos cercam, ou preferiremos continuar acorrentados, confortáveis na ilusão de uma vida que nunca é totalmente vivida? Uma vida de erros e acertos, onde os padrões de beleza, riqueza e status sociais não são ditados pela matrix devoradora de almas dos algoritmos.
Ao escapar da caverna digital, talvez você caminhe sozinho, mas a experiência do mundo real é a verdadeira recompensa para os dissidentes dessa nova caverna. Estaremos diante de uma encruzilhada onde existem dois caminhos: de um lado, o mundo pseudo-perfeito do digital, e do outro, a visceralidade do mundo real. Qual é a sua escolha? Correntes ou liberdade?
Artigo: Irmão Barbosa
Dedicado ao querido irmão Armando Martinelli.